domingo, 4 de abril de 2010

FILHOS DO DIVÓRCIO

Todos os anos, mais de 1 milhão de crianças e adolescentes são envolvidos em casos de divórcio nos Estados Unidos, segundo o censo americano. No Brasil, as estatísticas falam em 120.000 filhos atingidos pela separação dos pais. Contando os casos não oficializados, estima-se que sejam 400.000 crianças por ano. Para o homem e a mulher, o impacto da separação é grande, mas os dois lados conhecem a fundo as razões que sustentam a decisão. Para as crianças, que são colhidas por uma notícia inesperada, o fim do casamento dos pais representa um dos períodos mais difíceis de suas vidas, mesmo que tenha sido a melhor solução para desavenças incontornáveis. Por um lado, os filhos passam a viver sem a presença constante de um dos pais (normalmente o pai), e a lidar com situações desconhecidas e muitas vezes traumáticas, como ter duas casas para dormir, mudar de bairro, trocar de escola e de amigos. Mas há um segundo motivo. Como agravante, além de perder a companhia de um dos pais, os filhos podem ser submetidos a uma provação: adaptar-se a uma nova família.
Pelas características, as novas famílias são chamadas pelos psicólogos e psiquiatras de famílias-mosaico, ou famílias reconstituídas. O crescimento do número de separações e o aumento desses mosaicos são um grande avanço, pois apontam para uma relação familiar mais honesta. Casais que já não se suportam deixam de se sentir obrigados a viver juntos pelo resto de seus dias, ainda que tenham filhos. As relações se estabelecem a partir da vontade de permanecer juntos, e não apenas das convenções sociais. O que intriga os especialistas é saber até que ponto as famílias-mosaico interferem na formação das crianças. Alguns profissionais observam que a separação é sempre muito arriscada. "Até os 5 anos de idade, a criança pode sofrer com a separação porque ela fica muito dependente e estabelece troca somente com figuras próximas", diz o psiquiatra infantil Alfredo Castro Neto, do Rio de Janeiro. Outros lembram que as novas uniões podem ser muito úteis para compensar os efeitos da separação. "Nas famílias reconstituídas predomina a solidariedade entre os filhos por causa dos problemas semelhantes vividos e da identidade geracional", afirma o psiquiatra Antônio Mourão Cavalcante, professor da Universidade Federal do Ceará.
É difícil tirar conclusões definitivas em torno de um tema tão complexo. Um trabalho do psiquiatra Haim Grunspun, da PUC paulista, que acompanhou um grupo de crianças por dois anos após o fim do casamento dos pais, concluiu que a separação, se mal conduzida, pode ter potencial devastador. A pesquisa revela que os bebês até os 2 anos podem desenvolver comportamento mais medroso e apresentar sintomas de regressão. As crianças com 4 e 5 anos tendem a encarar a separação como temporária e acham que podem influir no comportamento dos pais. Em alguns casos, apresentaram desorientação, pouca agressividade e inibição nos jogos. Já os filhos de 5 a 6 anos se sentiam culpados, achando que provocaram a briga entre o casal. Essa interpretação equivocada por parte das crianças provocava abalo da autoconfiança, raiva incontida, sensação de responsabilidade pela reconciliação dos pais e dificuldade em se ligar a novas pessoas que entram para a constelação familiar.
Outra pesquisa, feita pela professora Ana Luísa Vieira de Mattos, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, mostra que a separação pode não ser tão ruim assim. Durante cinco anos, ela manteve grupos de discussão com 85 adolescentes de classe média e alta oriundos de famílias originais e reconstituídas. "Concluí que os problemas com drogas, delinqüência e depressão tinham a mesma incidência nos dois grupos", revela Ana Luísa. "O que determinava se os jovens estavam mais ou menos ajustados era a qualidade do relacionamento que mantiveram com os pais desde pequenos", afirma a professora. Olhadas em separado, as pesquisas podem parecer antagônicas, mas se complementam. A separação pode até produzir estragos emocionais para os filhos, mas não significa necessariamente que tenha o poder de conduzi-los para o mundo das drogas, da delinqüência e da depressão.
O stress da separação faz com que os primeiros anos das novas famílias sejam os mais conturbados, época em que as crianças podem ficar menos amáveis ou apresentar problemas de ordem emocional e educacional. A resposta que elas darão à nova situação - superando-a ou não - vai depender da qualidade da relação que manterão com os pais e da habilidade que estes terão para lidar com as dificuldades dos filhos. "Os pais precisam transmitir às crianças que o par amoroso se rompeu, mas os dois continuam a dar amor e apoio aos filhos", diz a psicóloga Terezinha Féres Carneiro, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Na fase aguda de adaptação, os filhos pequenos podem apresentar distúrbios típicos de sua faixa de idade, como sono interrompido, além de vômito, cólica e inapetência.
O modo de encarar os filhos do divórcio está mudando, o que facilita a vida dos pequenos. Num passado recente, coisa de vinte anos atrás, crianças nessa situação eram discriminadas e havia quem perdesse amigos porque era filho de mãe desquitada. A separação era compreendida como derrota - normalmente da mulher, diga-se, associada a um certo desvio de caráter. Ter a mãe casando novamente, ver o padrasto ir a uma reunião da sua escola, conviver com um meio-irmão eram coisas impensáveis. Hoje, tudo está muito diferente. Nos melhores colégios brasileiros, a presença de alunos com configurações familiares variadas virou rotina. Há casos de salas de aula onde 50% dos alunos são filhos de pais separados. A separação dos pais pode piorar o desempenho escolar? Se a separação deixar traumas, a criança pode perder o interesse pelo estudo, ficar inibida, sofrer de insônia ou muito sono e até perder o apetite.
Por mais consensual que seja a separação, o comprometimento com a saúde psicológica e emocional dos filhos é evidente. Cabe as novos pares repensarem sobre a responsabilidade de constituírem novas famílias e especialmente em suas responsabilidades ao colocarem filhos no mundo. Se é comum hoje ouvirmos os defensores do “filhos não seguram casamento”; deveríamos ao menos considerá-los como parte importante para se investir na qualidade e manutenção da relação.